Natureza: o que nos impede de fazer a conexão?

Publicado  17/01/2019 
Conexão com a naturezaPraia do Paiva. Imagem: Acervo pessoal de Ygor Sarkis

São vários os significados atribuídos ao conceito de Natureza. Contudo, em sua maioria, eles costumam fazer referência a “uma fonte original”, “uma essência primordial”, “um manancial de recursos” a partir do qual a biodiversidade subsiste.

 

Neste sentido, ver um animal de estimação morrer ou nascer é uma experiência de Natureza tão significativa quanto descobrir uma ilha desconhecida.

 

São de caráter Natural as experiências que nos levam a questionar: “Qual a origem da vida?”, “Qual o meu lugar, enquanto ser humano, no universo?”.

 

O contato com a Natureza nos convida a olhar – a partir de uma perspectiva mais ampla e destemida. A sentir, ao invés de julgar. A dissolver o autocentramento e o medo. É um convite espiritual por excelência, ao oportunizar a transcendência.

 

Mas como fazer a conexão com a Natureza?

 

Antes de arriscar uma resposta. Preciso lhes contar uma história selvagem – das vezes em que consegui me conectar.

 

Um Passeio à Praia do Paiva

Imagem: Acervo Pessoal de Ygor Sarkis.

Muitas das experiências marcantes que tive na Natureza envolveram o elemento água. Foram no mar ou mesmo num banho, em minha casa.

 

A água é um dos recursos naturais mais fundamentais. Os oceanos são, desde o princípio, fontes vitais para a maioria dos seres.

 

A vivência que agora vou narrar aconteceu numa das minhas idas à praia. Eu e uma amiga (Larissa) saímos de Recife e fomos ao Paiva.

 

Planejamos ir bem cedo, para aproveitar a maré baixa, mas quando chegamos já era tarde. As piscinas naturais transbordavam. Estavam cheias, assim como as nossas mentes.

 

Enquanto caminhava, observei o rosto de Larissa e percebi, pelo o seu olhar, que ela não estava presente. Perguntei então: “Porque será que temos dificuldade de nos conectar com a natureza?”

 

E ela respondeu: “É o nosso cabeção! Agora mesmo, eu estava dispersa pensando em coisas que aconteceram nesta semana e no que espero para os próximos meses”.

 

Com a expressão “cabeção”, eu entendi muito bem o que ela quis dizer. Significava a nossa tendência de racionalizar e julgar. Ao invés de sentir e relaxar.

Conversamos mais sobre isso, até entrarmos no mar. A partir deste momento, nos separamos. Eu fui meditar ao fundo e ela ficou no raso a brincar.

 

Vê-la brincando era muito curioso. Parecia mesmo uma criança, mexendo na água e sorrindo despreocupada. Às vezes fechava os olhos, às vezes boiava…

 

Aquilo me deixou tranquilo. Eu podia ficar distante o tempo que precisava. Ela não esperava por companhia. Na verdade, ela não esperava por mais nada. Era apenas ela e a água: uma comunhão sagrada.

 

Sobre isso ela me diria mais tarde: “Estar aqui é como voltar a infância. Me sinto tão inteira. O mar é parte de mim”.

 

Meditação no mar

Imagem: Acervo Pessoal de Ygor Sarkis.

Lá estava eu, defronte ao horizonte. O sol iluminava a água, em superfície prateada. O som do vento soava de longe, em paisagem serenada. Agora enfim – pensei: “não me falta mais nada”.

 

Mas não foi bem assim. Logo percebi que ainda estava infeliz com meu local de meditação. O simples balanço das ondas do mar era o suficiente para me incomodar.

 

Na verdade, reclamar das circunstâncias é um truque frequente da mente para não silenciar. Eu sabia disso e não cedi. Apenas deixei ir. Fiquei ali imóvel, sentindo o ar entrar e sair.

 

Foram cerca de quinze minutos, até conseguir um estado de atenção quase absoluto. Me tornei perceptível ao toque das correntes de ar. Audível ao borbulhar das marolas distantes. Sensível ao cheiro salgado do mar e ao seu sabor fecundo.

 

Não demorou muito e eu quis tocar o sargaço e enfiar os braços debaixo da terra. Do fundo, minhas mãos emergiram “sujas” e as coloquei bem perto do nariz. Não importava se o odor era bom ou ruim. Eu só queria sentir. Só queria estar ali.

 

Do bloco de areia surgiram plantas. Eu as toquei e cheirei – totalmente aberto e extasiado. Não havia mais certo, nem errado. Não queria que elas fossem diferentes do que eram… Apenas as olhava com profunda intimidade, curiosidade e cuidado. Para mim, há duas palavras que resumem o que senti: amor e respeito.

 

O Momento da Desconexão

Imagem: Acervo Pessoal de Ygor Sarkis.

De repente, um dos sargaços ocupou toda a minha mente. Ele era verde com o corpo enrugado e cheio de pintas vermelhas.

 

Na minha mão esquerda, também há uma pinta vermelha (dá pra reparar na imagem). Sempre que a vejo, lembro de que estou ficando velho, pois é uma mancha de idade.

 

Esse foi o momento da minha desconexão. Aquela planta me despertou uma profunda aversão. Minha mente a transformou num símbolo sobre envelhecer e morrer.

 

Não só o “cabeção” atrapalha nossa conexão, mas também nossos medos. Assim como o hábito de julgar, fazer projeções e não saber lidar com as emoções.

 

Como fazer a conexão?

Há muitas formas de se chegar ao mesmo lugar.

 

Para Larissa, o seu modo de se conectar foi através do brincar. O meu, foi a partir de uma simples meditação. As duas ações, apesar de parecerem distintas, baseiam-se em atitudes semelhantes: abertura, soltura, curiosidade e serenidade.

 

São essas também algumas das atitudes mindfulness. Elas nos ajudam a ter mais presença e a dissolver tudo aquilo que nos impede de fazer a conexão com a natureza (e com as outras pessoas). São disposições que podem ser cultivadas, a partir de práticas formais e informais.

 

No Programa Conexão, aprendemos estas práticas e descobrimos outros modos de nos conectar, por exemplo: apreciar uma música, meditar com visualizações, acolher as emoções, movimentar o corpo, aquietar os pensamentos…

 

Entretanto, não precisamos de nada disso para ir à Natureza. Mesmo um pouco distraídos, é possível sentir os benefícios do encontro. Ela nos afeta profundamente, principalmente, num nível inconsciente.

 

Não há melhor companhia do que a Natureza. Lá a gente se sente à vontade, porque ela não nos julga. Nossos corpos podem ser magros ou gordos (talvez enrugados), pretos ou brancos – e até mesmo verdes com pintinhas vermelhas. “Nada disso importa” ela nos diz.

 

Já ouvi outras “frases da Natureza”. Esta, a seguir, foi no alto das dunas de Natal:

 

“Ygor, você já é parte de algo muito maior, pode abandonar a dor de precisar ser incrível. O amor é vínculo. Descanse agora. Você está livre.”

 

Sua voz ainda ressoa em mim, de forma suave e brilhante, como o arranjo de violino da música Now We Are Free:

 

Conclusão poética

Gostaria de concluir com um dos meus poemas preferidos. Ele foi escrito ao fim do passeio que contei nesta postagem.

 

Obrigado por me acompanhar até aqui.



 

Por Ygor Sarkis Terapeuta com certificação Internacional em Gerenciamento de Stress pela Portland State University (PSU - EUA) e International Stress Management Association Brasil (ISMA - BR). Pós-graduado nas áreas de Psicologia Clínica pelo Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE), em Saúde Mental e Redes de Cuidado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e em Mindfulness e Terapias Integrativas pela Child Behavior Institute of Miami (CBI of MIAMI). [Saiba mais]

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